São tantas as coisas que nos assustam na vida, mas a morte talvez seja a mais temida. Aprendemos a estar próximos de quem nos ama, a conquistar sonhos, desejar, queremos melhorar, porém em nenhum momento nos ensinam a perder pessoas que são significativas ou a “viver” a nossa morte. Não há escolas, faculdades ou cursos de longa distância onde nos ensinam sobre como passar pela morte. Este aprendizado vem no viver a vida. O diagnóstico de uma doença que nos ameace a continuidade da vida, como o Câncer, nos assusta. O paciente e a família ficam em alguns casos sem “chão”, no primeiro momento ficam entorpecidos, em dúvida: “Será verdade?”. Vai-se atrás de outros especialistas: “Quem sabe este médico não conhece bem sobre o assunto”. Mas o diagnóstico é confirmado, e não é apenas o corpo que ficou doente, a pessoa e suas dimensões (psíquica, familiar, social e espiritual) também estão doentes, também estão sem “chão”. Faz-se necessário a ajuda não apenas do médico especialista, mas de uma equipe, que vise não apenas o objetivo de curar, mas o de cuidar de todas estas dimensões, das pessoas que sofrem. Entra aqui os Cuidados Paliativos.
Pela definição da Organização Mundial de Saúde, em 2002, Cuidados Paliativos são:
“Cuidado Paliativo é a abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alivio de sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.” (Cremesp C.P. 2008, p.16).
Uma das filosofias dos cuidados paliativos é oferecer um sistema de apoio para ajudar tanto os pacientes quanto a família a lidar com a doença e com o luto. Este artigo tem como finalidade mostrar este sistema de apoio à pacientes oncológicos e seus familiares, explanar como funcionam os cuidados paliativos, discorrer sobre o morrer e seu processo e por fim abordar o luto antecipatório que familiares e pacientes passam, na tentativa de tornar mais reconhecido este trabalho e não deixar que pacientes e familiares passem pelo processo do morrer sozinhos por não saberem que podem pedir ajudar ou que podem contar com uma equipe de cuidados paliativos.
Cuidados Paliativos:
Os Cuidados Paliativos visam mais do que a cura o cuidar. É um cuidar realizado em equipe para poder abranger todas as dimensões do paciente e sua família. O foco não é a doença do paciente, mas o paciente com a doença e suas necessidades físicas, emocionais, sociais e espirituais.
As intervenções são realizadas com estes objetivos no decorrer de todo o processo, do diagnóstico ao morrer.
A História dos Cuidados Paliativos: Quando Tudo Começou:
Na Idade Média haviam hospedarias que ofereciam descanso e cuidados a seus viajantes. Na primeira metade do século XX, algumas dessas hospedarias apareceram na França, Irlanda e Inglaterra, mas não mais para viajantes, agora eram usadas para pacientes terminais. Desde o fim de 1960, inspirados no exemplo do St. Christopher´s Hospice (Hospedaria criada por Cicely Saunders, em 1960) em Londres na Inglaterra, muitas outras hospedarias surgiram no Reino Unido e na América do Norte.
Quando Cicely Saunders descreveu o sofrimento dos pacientes terminais identificou quatro elementos que compõem o que ela denomina “dor total”, ou seja: dor física, psicológica, social e espiritual. Descrevendo assim a filosofia do cuidado integral ao paciente, desde o controle de sintomas, alívio da dor e do sofrimento psicológico. Esta filosofia é conhecida desde então como Cuidados Paliativos ou filosofia do Hospice.
Instrumentos dos Cuidados Paliativos:
Um dos instrumentos mais valiosos dos cuidados paliativos é o controle de sintomas. Para que este controle seja realizado e envolva um cuidado integral são necessárias as estratégias de: avaliação, manejo terapêutico e atenção aos detalhes.
A avaliação consiste em investigar qual a causa mais provável do sintoma, qual o impacto do sintoma na vida do paciente, qual o tratamento utilizado e que resposta este tratamento teve. É importante também a comunicação de diagnóstico e tratamento de forma simples e clara para que paciente e família possam entendê-los e participar de sua aceitação ou rejeição.
O manejo terapêutico diz respeito a três aspectos. Corrigir o corrigível, por exemplo, realizar uma punsão quando ocorre um derrame pleural para aliviar a falta de ar. Nesta ação o objetivo não é a cura, mas o alívio da falta de ar. Tratamento não farmacológico é o segundo aspecto, por exemplo, em caso de dor pode se utilizar da acupuntura como auxiliar para alivio desta e aliviando a dor o paciente se sentirá amparado e cuidado. No terceiro aspecto o tratamento farmacológico, realizando monitoramento para rever a eficácia do tratamento, surgimento de novos sintomas e detectar efeitos colaterais.
A última estratégia de controle de sintomas diz respeito à atenção aos detalhes, saber ouvir o paciente e suas queixas e examinar com cuidado para não apenas presumir e poder identificar os sintomas que causam desconforto ao paciente.
As várias especialidades e possibilidades de intervenção clínica e terapêutica nas diversas áreas do conhecimento é outro instrumento que os cuidados paliativos possuem. Assegurando ao paciente e a família (unidade de cuidado) um melhor cuidado, um olhar para os problemas não apenas sobre um ponto de vista, mas sobre todas as dimensões. É trabalhar junto com papéis diferentes num mesmo objetivo, oferecendo amparo em todo o processo da doença e no processo do luto.
De quem se cuida?
No final do século passado o Relatório Hastings (do Centro Hastings- Instituto de Pesquisa em Bioética) apresenta o modelo de saúde para séc. XXI.
“Os doentes apresentam seu mal estar ao médico como pessoa, isto é o que experimentam subjetivamente e o que normalmente os motiva a buscar alivio. Se apresentam a si mesmos como indivíduos, e são precisamente esses indivíduos os que devem constituir o ponto de partida da cura e dos cuidados”.
Este modelo de saúde vem de encontro com a filosofia dos cuidados paliativos, onde o paciente é mais importante que a doença, o foco são as pessoas que sofrem, e estas são singulares, fruto de sua história única e irrepetível de interações. Interações (família, cuidador principal e amigos) que também adoecem e necessitam ser cuidadas e olhadas. O paciente esta em sofrimento e acredita muitas vezes que não vai conseguir dar conta e neste momento é importante a intervenção que vai além da medicação, é importante a habilidade de estar presente em tempos de desespero, raiva, alegria e tristeza, utilizando-se da empatia, escuta ativa, habilidade de comunicação e validação da biografia de cada pessoa aliviando assim o sofrimento.
Paes da Silva (2006) fala da importância de se estar com o paciente em todos os momentos.
“Morrer pode durar horas, minutos, meses, e nossa contribuição não pode se ver enfraquecida durante todo o tempo de que o paciente precisa para poder partir” ( 2009, p.62).
É necessário ser sensível as necessidades do paciente, estar disponível para dar proteção se ela for necessária. Aceitar a responsabilidade e dispor de tempo e esforço necessário para prover apoio efetivo à unidade de cuidado, não importando quanto tempo leve.
Câncer e Psico-oncologia:
O Câncer compreende mais de 200 tipos de doenças, um grupo heterogêneo de moléstias que se diferem quanto a etiologia, freqüência e manifestações clinicas, a característica mais comum são as alterações nos processos de divisão das células do corpo, proporcionando um crescimento anormal e mais rápido de um conjunto de célula, denominado de tumor.
As células tumorais podem atingir outros órgãos, dando origem as metástases, estas quando chegam a órgãos como fígado, cérebro e pulmão causam falência orgânica e o óbito.
O câncer é ainda hoje uma doença que traz medo e sofrimento, com a finalidade de auxiliar o processo de enfrentamento e apoiar paciente e família em situações de estresse gerado pelo câncer surgiu a psico-oncologia. Segundo Gimenes (1994), a psico-oncologia surgiu como área de conhecimento a partir da década de 50, quando a comunidade científica passou a reconhecer que tanto o aparecimento quanto a manutenção e a remissão do câncer, poderiam ser intermediados por fatores cuja natureza extrapolavam condições biomédicas.
Nos últimos anos é considerada uma parte importante no cuidado com pacientes e familiares, promovendo condições de qualidade de vida e oferecendo espaço onde paciente e familiares possam expressar seus sentimentos e tendo como objetivos identificar o papel de fatores psicológicos e sociais, no aparecimento, desenvolvimento, tratamento e reabilitação do paciente com câncer e utilizar de conhecimentos que possam permitir a assistência integral do paciente com câncer e de sua família, bem como a Formação de profissionais de saúde especializados com o seu tratamento (Gimenes, 1994).
Processo do Morrer:
Ao pensar na morte surgi vários sentimentos e um deles é de medo. O medo do desconhecido, do que será que esta por vir e como vamos morrer. Se estaremos só ou acompanhados de quem amamos, mas há também o medo de sofrer, da dor, da falta de ar. Os cuidados paliativos visam este processo, sua filosofia entende a importância de acompanhar paciente e família, para os cuidados paliativos falar de morte é falar de vida. É o cuidado aos detalhes, estar atento ao sofrimento que vai além do físico.
Kovács (2003) fala em processo de rehumanização do processo de morte, traz a importância de se acompanhar o paciente em seu processo de doença, tendo um olhar mais cuidadoso nos sintomas e no sofrimento na esfera psicossocial e espiritual, não prolongando o sofrimento com medidas que visam apenas preservar a vida e adiar a mote.
É importante para alguns pacientes em final de vida compartilhar seus sentimentos e anseios com entes queridos e amados, a equipe de cuidado pode auxiliar nesta fase, e ajudar a estreitar laços familiares e com pessoas significativas, estimulando conversas francas e reconciliadoras, onde paciente e família podem expressar seus sentimentos sem anseios. E mesmo quando já não há mais possibilidades em verbalizar estes anseios por conta da condição física do paciente, a comunicação não verbal passa a ser a ferramenta mais importante de cuidado. Familiares e equipe passam a utilizar do toque, de gestos de carinho, e de sua presença, com estas atitudes o paciente não se sente abandonado e sim cuidado, olhado, e fica em paz, pois o medo de morrer só é amenizado.
Kubler-Ross em seu livro “Sobre a Morte e Morrer” (1969) descreveu estágios que observou em pacientes em final de vida.
O primeiro estágio o choque e a negação, depois a raiva e o rancor, negociação com Deus, depressão, e por último a aceitação.
A negação é a surpresa, a idéia de estar doente parece não ser real, o paciente nega o diagnóstico e pode chegar a consultar outros médicos para que desconfirmem o primeiro diagnóstico. Ao se confirmar o diagnóstico a resposta é a revolta e a raiva, a pergunta passa a ser “por que não com ele, sou honesto, bom”, ficam bravos com Deus, com a família e por que não com o mundo, dando vazão a seus sentimentos, mágoa e dores, começa a negociação com Deus, fazem promessas e já não estão tão hostis. Muitas coisas mudaram o diagnóstico já foi confirmado, surgem limitações e a depressão vem como resposta a estes fatos. Quando o paciente consegue nesses estágios expressar sua dor, raiva, medos e angustia chega o estágio da aceitação, neste não se sente mais depressão ou raiva, ficam a maior parte do tempo em silêncio, pensando em suas vidas e trocam a luta anterior pelo sono.
Cada estágio descrito por Kubler- Rosso é importante como referência histórica, pois como profissionais da saúde este conhecimento nos lembram de estar mais próximo do paciente e entende-lo melhor, saber que há a necessidade do olhar e do amparo da equipe e nos ajudam a entender a necessidade de oferecer espaço para que paciente e família possam expressar o que vai em seu coração, os medos que rodeiam sua mente e assim poderem se sentir amparados.
É pessoal o como se deseja morrer, ,mas para os cuidados paliativos é importante que se tenha aspectos como a consciência de sua aproximação, utilizando para isto da comunicação clara e simples da equipe de saúde, esta dá ao paciente a opção de fazer escolhas como, por exemplo, o local da morte, mantendo sua dignidade. É nesta ação que podemos e que se trabalha o luto e o luto antecipatório.
Luto:
É um processo, uma experiência pública e privada. Há o pesar que são os pensamentos e sentimentos sobre a perda, e o luto que é a expressão destes sentimentos e pensamentos com aqueles que nos rodeiam. O luto é um conjunto de reações a uma perda significativa, geralmente pela morte de outro ser. Segundo Bowlby quanto maior o apego ao objeto perdido (que pode ser uma pessoa, animal, fase da vida, status social..) maior o sofrimento do luto. O luto tem diferentes formas de expressão em culturas distintas.
Na família o luto é uma vivência complexa. O luto na família é considerado um problema quando os papéis são ignorados, as decisões são colocadas em espera, e os membros da família são ignorados ou cortados e sentimentos de ambivalência surgem sem acolhimento impedindo o processo de elaboração do luto. A adaptação a perda pode ser facilitada quando há coesão da família, tolerância e o respeito às diferentes respostas entre os membros da família. A comunicação aberta é muito importante, a falta desta e o surgimento de segredos e tabus em torno da perda interferem ainda mais no processo do luto.
Na família o luto é ao mesmo tempo singular e grupal. Cada membro da família é afetado de uma maneira. Cada família tem suas regras, seus padrões de comunicação e comportamento. A equipe de cuidados paliativos deve estar atenta e oferecer o apoio necessário a cada membro da família e em sua singularidade.
O processo de luto antecipatório se inicia quando é revelado ao paciente e seus familiares que já não há possibilidades terapêuticas em relação à doença.
Fonseca (2004) definiu luto antecipatório como:
“Reação de pesar genuína em pessoas que não estão enlutadas pela morte em si, mas pela experiência de uma separação onde há a ameaça da morte. É na terminalidade, relacionado a um prognóstico fechado. Sua função é propiciar um desenvolvimento normal do luto, não eliminando o impacto causado pela morte”.
É nesta fase que paciente e familiares podem encontrar espaço para “acertar os ponteiros”, cada qual pode falar de suas necessidades e vontades. A equipe de Cuidados Paliativos ajuda a proporcionar este espaço.
No luto antecipatório se vivencia processos cognitivos, emocionais e comportamentais, não é a substituição do Luto pós – morte, pois não há como estar totalmente preparado para a morte de alguém que lhe é tão querido, mas pode ser considerado o inicio da elaboração de uma nova fase da vida já sem o ente querido.
Considerações Finais:
Receber o diagnóstico de câncer ainda hoje causa medo e insegurança, seu tratamento é invasivo, muitas vezes longo e não apenas o paciente adoece, mas também a família.
Paciente e família necessitam ser cuidados e amparados, cada qual em sua dor. Os Cuidados Paliativos vem com esta filosofia, oferecer um sistema de apoio para ajudar paciente e família a lidar com a doença. Onde o foco é o paciente e suas necessidades físicas, emocionais, sociais e espirituais, toda equipe atenta a detalhes, ouvindo com calma paciente e família, estando presente a toda hora, em tempos de desespero, raiva, alegria e tristeza, utilizando da empatia, escuta ativa, habilidade de comunicação e validando a biografia de cada pessoa.
No processo do morrer é importante uma comunicação clara, a equipe de cuidados paliativos oferece esta comunicação, fala de morte, pois é falar da vida também, ajuda os pacientes a compartilharem seus sentimentos e anseios, oferece um espaço para família e paciente poderem ter conversas francas e reconciliadoras. Os amparando neste momento onde ambos vivem o luto antecipatório, inicio da elaboração de uma nova fase da vida.
Por fim, ser cuidado pela equipe de Cuidados Paliativos é ser visto como um ser total em todas as suas dimensões é poder escolher aonde quer viver os últimos dias e como e com quem quer viver.
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5 comentários:
Querida
Trouxe a Meimei para falar por nós.
Voz no Coração (Meimei)
Alma irmã!...
Não me condenes.
Venho ofertar-te
Renovação e experiência
E mostrar-te nos outros
Os irmãos do caminho
Que amam sofrem e aprendem
Qual te acontece,
A fim de que movas
Ao sol da compaixão.
Venho mostrar-te ainda
O peso que há na culpa
E o valor do perdão.
Sobretudo, sou eu
Quem te revela
A grandeza do amor
Na Luz da compreensão.
Venho em nome de Deus,
Sou tua dor...
beijos da hermanita
hermanita, obrigada por trazer a Meimei, adorei e fico feliz que tenha gostado. Bjos
Maria,
Fiquei muito envolvida com esse tema.
É fascinante o quanto tudo isso é importante quando a familia esta passando por esse momento dificil, que ao mesmo Tempo pode se tornar tão evolutivo, pois é só nesse Momento onde tudo o que a família pode passar é amor e conforto, onde nenhuma das futilidades diárias fazem diferença que conseguimos finalmente atentar para o que realmente é valioso na vida!
Parabéns pelo seu trabalho e de todos os profissionais que auxiliam as pessoas para que vivam essa experiência como ela deve ser.
Bjos Bia
Brigada Bi, tb me envolvi pelo tema e aprendo cada vez mais sobre a importância do cuidar, de ver o ser humano como todo, respeitando sua história que é individual, auxialiando neste momento tão difícil para muitos.
Bjos
Muito bom seu artigo Ines! Aliás, foi uma aula! Beijos Simone
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